quarta-feira, 30 de março de 2011

A Farsa Trágica

Para quem ainda alimenta ilusões quanto ao que nos espera, transcrevo este texto de Baptista Bastos que foi hoje publicado no Diário de Notícias.

"A Farsa Trágica

As peripécias da revolução portuguesa sempre tiveram características incomuns. A via original para o socialismo foi um estribilho mais do que um conceito. Até hoje ninguém conseguiu descobrir qual a natureza dessa originalidade. Era uma época em que se bebia em excesso e quase tudo era permitido ou aceito com benigna complacência. Zeca Afonso comentava, irónico, que o álcool era, afinal, a via original para o nosso socialismo. O PREC constituiu mais do que um acrónimo: foi um modo de se tentar ludibriar a História e uma maneira, um pouco louca, um pouco ingénua de se viver a vida. Até então, as coisas eram direitinhas, brunidas, organizadas em esquadrias. Falava-se baixinho, escrevia-se baixinho, amava-se baixinho.

Julgávamos ter estilhaçado o que fora medonha punição, e que éramos os donos do nosso destino. Foi quando uma marcha de José Mário Branco nos reenviou para a realidade: "Qual é a tua, ó meu / andares a dizer quem manda aqui sou eu?!" Todas as festas acabam em melancolia. A nossa fechou em carácter fúnebre. E nunca parou de assim ser, com breves intervalos cómicos. Abstenho-me de os mencionar, por evidentes. Os protagonistas foram promovidos.
De tropeção em tropeção, chegámos a isto. A decência e a dignidade têm sido espezinhadas; repetem-se os mesmos rituais de substituição com os mesmos rostos, idênticas mentiras, semelhantes desaforos. Sai Sócrates, entra Passos. O sotaque não é diferente. E a farsa, agora, é quase trágica. Passos não vai melhorar a vida portuguesa, e até já ameaçou com impostos quando, há dias, dissera rigorosamente o contrário. Por outro lado, na hipótese de uma "ampla" coligação, os senhores do poder admitem PS-PSD-CDS, mas rejeitam liminarmente José Sócrates. É uma situação improvável. Mas as negaças do poder dispõem de meios extremamente persuasivos. Tem-se, assim, que o secretário-geral do PS, reeleito com margem devastadora, é uma espécie de zombie. Que fazer com este homem?
A questão, permanentemente omitida, é que o infortúnio de muitos e os privilégios de meia dúzia assentam uma frase de Balzac: "Todas as fortunas têm origem num crime"; ou na interrogação de Garrett nas Viagens na Minha Terra: "Quanto custa um rico a um país?", e na consequente resposta: miséria, fome, desespero.
Tanto o PS quanto o PSD ou a tal coligação, antevista mas já vista, têm liquidado a nossa força e tripudiado sobre a nossa soberania. Não estão interessados nessas minudências. E nós vamo-los aceitando, com a benevolência indolente, que parece ser a marca de um mau fado e de uma inevitabilidade."

Como diria António Guterres, "É a vida...",  a nossa e muito triste...

10 comentários:

  1. Eu vou dizer o mesmo mas ...em francês!
    C´est la vie!
    Et ce n´est pas en rose!

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  2. Por acaso também acho que o mal não é dos portugueses...Até é, mas não da maioria. Em qualquer país onde temos emigrantes eles são considerados e até ascendem facilmente. São produtivos.../submissos também, reconheço)

    Cá? Não produzem, faltam, estão sempre doentes...

    Sem generalizações. O problema não está na base. Mas na classe dirigente. Evidentemente que essa classe emana da base...Representa-a mas não comunga dela. Nem por ela se interessa.

    Mesmo o 25 Abril. Revolução??? Sem sangue não há revoluções. Revoluções fracas fazem povos fracos. Que não hajam dúvidas...

    Há muito que fazer. E urge. Não sei é se merecemos o país que temos. Os dirigentes, esses, fazem pela vida...deles:(

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  3. Rosa dos Ventos:
    Essa canção ficou mundialmente conhecida através da Edith Piaf, cantora que teve um final bastante trágico devidos aos seus excessos...
    Será esta a nossa sorte?

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  4. M:
    "Os melhores valem menos
    Vede que governação
    Serem governados os bons
    Por aqueles que o não são"

    O nosso país está moribundo e o mundo enlouqueceu...
    :(

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  5. O BB é sempre genial a escrever: sabe muito da nossa língua e sabe muito da nossa política. E da dos outros. Mas, vamos com calma! Não podemos entregar-nos a esta respiração soturna que quer voltar a abater-se sobre nós, portugueses! Temos de deixar de ser indiferentes, preguiçosos (desculpem-me, mas é a verdade) e permissivos. Os políticos são maus? Eles são uns de nós e somos nós que os lá pomos...
    Havemos de sair disto. Isto não nos está a acontecer só a nós!

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  6. E é caso para perguntar se teremos que cantar este fado ainda e sempre?
    Aprecio a obra de Balzac.
    De facto tudo tem um preço!
    Problema serem outros a pagarem...
    Abraço
    manuela

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  7. Mesmo sabendo que não liga muito, tenho lá um selinho para o seu blog.
    Bj.

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  8. Carol:
    Agradeço-lhe as palavras de esperança e o “miminho” para o meu blogue. Mais vale ”selo” que parecê-lo... fica a faltar-me a cola.
    :)

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  9. Manuela Barroso:
    Estamos todos a ficar afónicos. Já demos as coroas, restam-nos (estas) caras... :(

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  10. Olá Rui!
    Antes de mais o meu obrigada pelas suas tão lindas palavras!
    Depois, eu vejo que não sou eu só que me penso...
    O Rui também é muito especial, preocupando-se e sentindo o mal-estar colectivo que eu partilho completamente!
    Mas enquanto como homem se "exalta", o meu lado feminino "chora"!
    Formas de os seres humanos se complementarem numa espécie de equlíbrio...
    Será?
    Abraço, Rui!Obrigada!
    manuela

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