domingo, 22 de novembro de 2015

Pedro Barroso




Estados Unidos da Europa
Poema de Pedro Barroso
– in “Das Mulheres e do Mundo” Ed Mirante, 99

Quando a Europa existir
E o velho escudo das quinas
for apenas uma saudade
nesse dia hei-de subir
ao castelo de Penedono
e gritar uma saúde
ao tempo de nunca vir
mais ao tempo de lembrar
hei-ir ao Restelo contar
histórias de marinheiros
falar aos jovens de Alcácer
de Gonçalo Mendes da Maia
Jerumenha, Évoramonte
Aljubarrota, Atoleiros
Hei-de subir aos penhascos,
às torres de Marialva,
à menagem de S Jorge,
de Belver e Guimarães
e recordar outra vida,
outro país que já houve
de gente dada à bravura
que ao Sul criou espaços
na conquista da planura
gente com alma e com espada
e artes de marear
e hei-de ficar cansado
mas hei-de ficar saciado
nesse espaço fabuloso
recriado do passado
em sonho particular
esquecido da tal verdade
corridos trinta ou cem anos
Estados Unidos da Europa
país novo e florescente
tal me orgulha e me transcende...
- Ah! Mas nunca me arrepende
ter feito Alcácer Quibir
ou batalha do Salado
com o estandarte entre dentes!...
Nesse dia, em mirandum
cantarei ao desafio
navegarei pelo Douro
até ao fim desse rio
onde brindarei com Porto
e perdido na montanha
beberei águas de fonte
da pátria de Portugal
e serei europeu, sim
serei até, mundial
mas primeiro,
vai uma alheira
do fumeiro de Mirandela;
moreia frita de Sagres;
cozido ilhéu na panela;
e as amêijoas de S Jorge;
as bananas da Madeira;
os verdes do velho Minho;
os cavalos do Ribatejo
mais as camisas de linho;
e o cante do Alentejo;
e este mar frente a Lisboa,
onde a ralé marinheira
canta o fado cacilheiro
e atraca corpo e navio
em romances de inventar
Levem a fama, a bandeira
levem o nome e o preito
quem vai mandar no meu peito
vai ser o nome esquecido
de um velho país ao canto
desse novo Espaço Unido
onde tudo, campo e praia
ao falar-nos do passado
vai falar-nos dum Futuro
outra vez por restaurar
Portugal era seu nome.
- Crianças desse reinado
aprendam a soletrar...
Existiu na sua Língua
nos seus artistas e heróis
nos pensadores e no mar.
Já foi um país inteiro
de palavras e aventura
e se então, nesse lameiro
de Babel no linguajar,
nos obrigarem ao sonho
embalado na censura,
empacotado e vulgar,
que me sobre essa loucura
de ir para a rua gritar,
nesta língua de Camões,
pelo tempo que há-de vir
no país que não morreu
no país que há-de voltar !