Para quem ainda alimenta ilusões quanto ao que nos espera, transcrevo este texto de Baptista Bastos que foi hoje publicado no Diário de Notícias.
"A Farsa Trágica
As peripécias da revolução portuguesa sempre tiveram características incomuns. A via original para o socialismo foi um estribilho mais do que um conceito. Até hoje ninguém conseguiu descobrir qual a natureza dessa originalidade. Era uma época em que se bebia em excesso e quase tudo era permitido ou aceito com benigna complacência. Zeca Afonso comentava, irónico, que o álcool era, afinal, a via original para o nosso socialismo. O PREC constituiu mais do que um acrónimo: foi um modo de se tentar ludibriar a História e uma maneira, um pouco louca, um pouco ingénua de se viver a vida. Até então, as coisas eram direitinhas, brunidas, organizadas em esquadrias. Falava-se baixinho, escrevia-se baixinho, amava-se baixinho.
Julgávamos ter estilhaçado o que fora medonha punição, e que éramos os donos do nosso destino. Foi quando uma marcha de José Mário Branco nos reenviou para a realidade: "Qual é a tua, ó meu / andares a dizer quem manda aqui sou eu?!" Todas as festas acabam em melancolia. A nossa fechou em carácter fúnebre. E nunca parou de assim ser, com breves intervalos cómicos. Abstenho-me de os mencionar, por evidentes. Os protagonistas foram promovidos.
De tropeção em tropeção, chegámos a isto. A decência e a dignidade têm sido espezinhadas; repetem-se os mesmos rituais de substituição com os mesmos rostos, idênticas mentiras, semelhantes desaforos. Sai Sócrates, entra Passos. O sotaque não é diferente. E a farsa, agora, é quase trágica. Passos não vai melhorar a vida portuguesa, e até já ameaçou com impostos quando, há dias, dissera rigorosamente o contrário. Por outro lado, na hipótese de uma "ampla" coligação, os senhores do poder admitem PS-PSD-CDS, mas rejeitam liminarmente José Sócrates. É uma situação improvável. Mas as negaças do poder dispõem de meios extremamente persuasivos. Tem-se, assim, que o secretário-geral do PS, reeleito com margem devastadora, é uma espécie de zombie. Que fazer com este homem?
A questão, permanentemente omitida, é que o infortúnio de muitos e os privilégios de meia dúzia assentam uma frase de Balzac: "Todas as fortunas têm origem num crime"; ou na interrogação de Garrett nas Viagens na Minha Terra: "Quanto custa um rico a um país?", e na consequente resposta: miséria, fome, desespero.
Tanto o PS quanto o PSD ou a tal coligação, antevista mas já vista, têm liquidado a nossa força e tripudiado sobre a nossa soberania. Não estão interessados nessas minudências. E nós vamo-los aceitando, com a benevolência indolente, que parece ser a marca de um mau fado e de uma inevitabilidade."
Como diria António Guterres, "É a vida...", a nossa e muito triste...